Como ficará a periferia,
os pobres e os não-privilegiados?
Uma pandemia
fantasmagórica ronda o mundo. O Coronavírus aparece inicialmente na China,
passa para a Itália e se espalha pela Europa, avança pelos continentes e ameaça
a vida de milhares de pessoas. No Brasil, a transmissão é passada de um lado
para o outro, principalmente por pessoas das elites e classes médias que têm a
condição de viajar para a Europa, Estados Unidos e outras regiões onde a doença
já se encontra disseminada. Porém, num país com um dos mais altos índices de
desigualdades no planeta, o que nos assusta e nos mobiliza é a perspectiva desse
vírus chegar às populações mais vulneráveis.
Em
caso de calamidade pública, o Estado poderia subsidiar as pequenas e
microempresas, além de punir as grandes corporações que se aproveitassem ilegal
e imoralmente da situação. Entretanto, nem a crise do subprime americana em 2008, nem o desmoronamento atual das
Bolsas de Valores, fizeram os governos brasileiros repensarem o modelo neoliberal
que protege o lucro dos grandes capitalistas e abandona as pessoas simples à
própria sorte e ao desespero.
No
caso do Ceará, um estado vulnerável e um dos mais pobres do país, marcado por
grandes desigualdades sociais e econômicas, algumas pessoas que fazem parte das
classes médias e ricas, terão melhores condições de sobrevivência, pois têm recursos
econômicos ou influência social e política. Essas pessoas poderão sofrer, mas também
terão maiores possibilidades de enfrentar a pandemia.
Mas,
como ficarão os mais pobres, as pessoas nas periferias, favelas, comunidades,
sertões ou interiores, os menos privilegiados, os excluídos, os abandonados à
própria sorte? Como ficarão as pessoas que não têm dinheiro para comprar o
álcool gel e o papel higiênico? Como ficarão os moradores em situação de rua,
os desempregados, os mendigos, os jovens pretos e pobres amontoados nos
presídios e casas socioeducativas? Como ficará esse enorme contingente de
desvalidos sociais? Será deixado para morrer sem proteção, sem comida, sem cuidados
e sem oxigênio? O Sistema Único de Saúde (SUS) alcançará essas pessoas? O SUS
será suficiente? Que tipo de plano está sendo pensado pelo governo federal,
estados e prefeituras para proteger essas pessoas?
Em
Fortaleza, milhares de pessoas são imprensadas em ônibus lotados nas idas e vindas
para o trabalho e na vida cotidiana. O que nos inquieta e preocupa, e deveria
preocupar a toda a sociedade, é a condição social dos trabalhadores e da
população em situação de rua. Sem a proteção do Estado, muitos desses seres humanos
podem não sobreviver ao Coronavírus. É preciso um plano que os leve em
consideração, que os entenda inclusive como prioridade. Não seremos mais
humanos do que o vírus se não nos voltarmos para o cuidado com os mais
vulneráveis, com quem mais precisa do Estado, da sociedade e da nossa empatia e
solidariedade. Como os mais pobres irão sobreviver? Como ir para além da
caridade? O que fazer?
Pensando nessas pessoas, sugerimos aos poderes públicos algumas medidas emergenciais para o enfrentamento dessa pandemia:
- Cancelamento imediato da Emenda do Teto dos Gastos Públicos que limita as despesas do governo brasileiro com saúde, educação e políticas sociais durante 20 anos, a chamada PEC da Morte.
- Subsídio de um salário mínimo para os desempregados e subempregados, os idosos não-aposentados e as pessoas em situação de rua ou que não possam trabalhar;
- Investimentos públicos em saúde, educação, cultura e primeiro emprego aos jovens através de Frentes Criativas de Trabalho para quando a pandemia recuar;
- Anistia das dívidas com água, luz e internet de pessoas assalariadas, desempregadas e subempregadas (trabalhadores de aplicativos e autônomos);
- Suspensão da cobrança de água, luz e internet para assalariados, desempregados e subempregados até o fim da crise global do Coronavírus;
- Mapeamento das pessoas em situação de rua e das suas condições de saúde, com distribuição gratuita de álcool gel, papel e toalhas higiênicas; garantia de alimentação, higiene e tratamento hospitalar;
- Criação de unidades móveis para exame e atendimento em casos suspeitos de Coronavírus nas periferias das cidades;
- Libertação monitorada de presos sem condenação, presos provisórios e praticantes de crimes não hediondos e sem maior gravidade;
- Montagem de equipes para exames e tratamento nas unidades prisionais e abrigos socioeducativos, visando atender às populações carcerárias ou restritas de liberdade;
A
periferia não pode ser entregue à própria sorte diante dessa catástrofe. O
poder público terá que repartir os cuidados e a proteção social oferecida à
classe média e a elite com os não privilegiados, os excluídos e os periféricos,
ou essa pandemia vai acabar no maior genocídio já visto no Brasil desde que os
colonizadores desembarcaram por aqui. Nesse sentido, o Coronavírus ameaça também
o que nos faz humanos, a nossa própria humanidade. Rebelemo-nos, sejamos verdadeiramente
humanos e solidários!
Prof. Joatan
Freitas
Doutorando
em Educação pela Universidade Estadual do Ceará/UECE. Ex-integrante da
Coordenação de Direitos Humanos do Governo do Estado do Ceará. Coordenador do
Movimento Dias de Luta.