quarta-feira, 30 de junho de 2021

S.O.S. Morro de Lagoinha - Exclusivo! Cientistas apontam solução para o cartão postal

Tivemos acesso ao relatório da visita de três cientistas ao morro símbolo da praia de Lagoinha em Paraipaba-CE. A visita aconteceu no dia 11 de Setembro de 2020 e foi provocada pelo Movimento S.O.S. Morro de Lagoinha que solicitou à Secretaria de Meio Ambiente do Governo do Estado do Ceará providências para salvar o monumento natural.

O Mensageiro News apresenta com exclusividade o resultado dessa visita e as soluções propostas pelos cientistas:

PROGRAMA CIENTISTA-CHEFE MEIO AMBIENTE –FUNCAP/SEMA/SEMACE
RELATÓRIO DE VISITA DE CAMPO
MORRO DA LAGOINHA – MUNICÍPIO DE PARAÍPABA, CEARÁ


1. REQUERIMENTO E LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO


O presente relatório trata da análise preliminar da visita de campo realizada em trecho costeiro do município de Paraipaba no dia 11/09/2020, abrangendo especificamente o Morro da Lagoinha, situado na praia com denominação homóloga. A origem da demanda atende a solicitação da Prefeitura Municipal de Paraipaba e da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), dirigida à Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA).


Em vista o oportuno momento de implementação do Programa Cientista-Chefe em Meio Ambiente – FUNCAP/SEMA/SEMACE e o alinhamento com o projeto Planejamento Espacial Costeiro e Marinho, foi solicitado pelo Sr. Secretário do Meio Ambiente, Artur Bruno, a análise da demanda no âmbito do programa. A visita de campo contou com a participação do Prof. Dr. Marcelo de Oliveira Soares, Cientista-Chefe em Meio Ambiente, e pelos demais integrantes, Dr. Eduardo Lacerda Barros e Dr. Renan Gonçalves Pinheiro Guerra. Em face a abrangência da área de entorno e o contexto da Área de Proteção Ambiental da Lagoinha, (APA) da Lagoinha, a gestora da Unidade de Conservação (UC) Estadual, Ana Michelle, também participou da atividade de campo.


Localizado à 95 km a oeste de Fortaleza, o município de Paraipaba integra o Setor III – Costa Oeste do GERCO/CE (Figura 1), abrangendo aproximadamente 14 km de praia que se estende da foz do rio Curu até a barra formada pelas águas da Lagoa das Almécegas. A planície litorânea do município é caracterizada pela presença de faixas de praias, dunas e lagoas, podendo ocorrer de forma associada alinhamentos de rochas de praia, plataformas de abrasão e falésias.


A partir da análise de imagens de satélite e averiguação de campo, nota-se o comprometimento do abastecimento sedimentar proveniente das dunas móveis para o Morro da Lagoinha. Em observação preliminar, aspectos inerentes a intervenções sobre áreas de deflação eólica (ex. loteamentos) (Figura 2) e a fitoestabilização do solo (natural ou induzida), contribuíram para estabilização das áreas de by pass e consequente redução do suporte de sedimentos ao Morro da Lagoinha. Apesar disso, estudos que analisem de maneira pormenorizada o transporte sedimentar são fortemente recomendados, de modo a subsidiar melhor compreensão da dinâmica eólica local.

 

Por sua vez, a redução da disponibilidade de sedimentos aliada ao efeito erosivo do fluxo eólico e ausência da colonização de vegetação, ensejou a exposição de material do Grupo Barreiras no topo do Morro da Lagoinha, antes recobertos pelos sedimentos eólicos. Esse aspecto proporcionou a ativação da erosão pluvial em níveis superiores que, possivelmente, teve ainda ação intensificada pela concentração de fluxo superficial de água e incremento do gradiente topográfico (Figura 3). Tais fatos permitidos possivelmente pela urbanização de malha viária confinante e obras de infraestrutura hídrica, realizadas a partir de 2016, conforme relatos locais. Além disso, toma-se também como hipótese a ser investigada a ocorrência de possível pontos de fuga de fluxo subterrâneo, proveniente de instalações operacionais de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

 


Em consequência, conforme realidade avistada em campo, foram motivados a formação de sulcos de erosão e ravinas que evoluem para a formação de voçorocas no Morro da Lagoinha. O material areno-argiloso que compõe o tabuleiro litorâneo, quando exposto, pode ser facilmente erodido mediante o fluxo de escoamento superficial na área. É importante frisar que esse tipo de processo é conspícuo principalmente em falésias ativas que, em conjunto com a erosão marinha, configuram um modelado com aspecto ruiniforme.

A Figura 4 apresenta um mosaico de imagens da área, expondo o Morro da Lagoinha na perspectiva da ponta litorânea e da faixa praial associada a plataformas de abrasão marinha (A, B e C). Em recorte da atual situação no topo do Morro da Lagoinha, está posto o retrato da degradação provocada pelo avanço de processos erosivos superficiais, com a presença de ravinas e extensa voçoroca (Figura 4 - D, E, F, G, H e I). Estas se distribuem ao longo da borda superior do tabuleiro recortando perpendicularmente e transversalmente o Morro da Lagoinha.

A principal fenda ocorre em sequência a rua Estrela do Mar com dimensões de até 20 metros de largura avançando, aproximadamente, 180 metros em direção ao mar (ver Figura 4 – F). Em conformação com evolução dos processos erosivos, áreas de riscos de colapso de infraestruturas (ex. residências e vias públicas) se configuram no entroncamento com os arruamentos adjacentes (ver Figura 4 – D). Além disso, cabe destaque a degradação de ponto turístico que corresponde a um dos principais atrativos cênicos da região litorânea do município e da costa oeste do Ceará.

Nesse mote, é importante atentar para a necessidade de definir medidas com caráter de urgência para contenção do avanço dos processos erosivos em direção a malha urbana de Lagoinha e mitigação dos riscos urbanos e ambientais associados. Para isso, estão elencadas no tópico a seguir algumas orientações que não exaurem a proposição de alternativas para abrandamento dos problemas ambientais elencados na área do Morro de Lagoinha.

Findo esta análise preliminar, recordamos que a área em apreço também apresenta caráter especial para proteção e recuperação considerando que se trata de uma UC municipal de proteção integral e está abrigada em Área de Preservação Permanente (APP) conforme art. 4, inciso VIII do Código Florestal. A lei municipal nº 471, de 06 de março de 2009, criou o Monumento Natural (MONA) Morro da Lagoinha com os objetivos de preservação do patrimônio paisagístico, natural, turístico e histórico da área.

3. RECOMENDAÇÕES

As recomendações elencadas seguem orientações em caráter abrangente que ensejam necessário esforço para gestão e obtenção de conhecimento pormenorizado dos processos ambientais que incidem na área vistoriada. Reforçamos que essas recomendações não exaurem a proposição de alternativas para consecução da recuperação ambiental da área do Morro de Lagoinha. Por sua vez, os desafios locais de gestão devem estar ancorados na perspectiva científica e técnica que permitam direcionar a tomada de decisão. A seguir, expomos algumas recomendações: 

 

I. Cadastramento do MONA Morro da Lagoinha e elaboração do Plano de Manejo

 

A Instrução Normativa nº 01/2017, estabelece que as UC inseridas em território cearense, devem estar inequívoca e previamente cadastradas junto ao Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) e Cadastro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). Tal fato é necessário para acesso aos recursos da compensação ambiental provenientes do licenciamento ambiental no âmbito dos órgãos ambientais licenciadores. Por conseguinte, a utilização de recursos para gestão da UC pode subsidiar a elaboração do plano de manejo, que também emerge como uma importante ferramenta para ordenamento dos usos da área e o manejo sustentável dos recursos naturais, inclusive prevendo as medidas para recuperação das áreas degradadas (ex. elaboração de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas - PRAD; Plano de Contingenciamento de Riscos Ambientais; estudos geotécnicos; entre outros).

II. Ordenamento do acesso de visitantes na área para minimização do pisoteio nesse trecho do Morro da Lagoinha

 

No interstício da elaboração do Plano de Manejo, é sugerido que ações de carácter preventivo e protetivo possam ser adotadas pela gestão municipal. Tal aspecto pode centrar-se no intuito de minimizar os efeitos do fluxo excessivo de visitantes. Considerando que o ‘pisoteamento’ pode contribuir para eclosão de novas fendas e evolução das que já existem derivadas da erosão hídrica superficial e subterrânea instalada. Para isso, a gestão local pode buscar elaborar Plano de Visitação Pública que deverá elucubrar medidas para gestão e restrição de acesso, bem como análise da capacidade de carga. Nesse escopo, elencamos a necessidade do estabelecimento de trilhas de uso prioritário; sinalização educativa para visitação (ex. capacidade máxima das trilhas; atrativos; riscos); utilização de infraestrutura suspensa para mitigar os efeitos do pisoteamento; entre outros aspectos que direcionem o uso sustentável da área. É válido destacar que a produção de documentos que possam nortear a gestão da área emerge como importante instrumento para conservação de um dos principais atrativos turísticos do trecho costeiro de Paraipaba. Além disso, reforçamos a necessária intensificação de fiscalização ostensiva pelo órgão ambiental do município em relação aos usos e intervenções realizadas não apenas na área, mas também no seu entorno, as quais influenciam em processos-chave como a drenagem de águas pluviais, subterrâneas e do fluxo sedimentar. 

 

 III. Plano de drenagem e manejo das águas pluviais

 

Intervenções estruturais podem ser necessárias, no entanto estudos técnicos prévios devem ser motivados de modo a compreender a dinâmica do escoamento hídrico de superfície e subsuperfície. Incide sobre as possíveis intervenções a observância ao Plano Municipal de Saneamento Básico – Drenagem, assim como outros instrumentos de planejamentos que possa existir no município (ex. Plano Diretor Participativo do Município; o Código de Obras e Postura; a Política Ambiental do Município; Zoneamentos Urbanos e Ambientais; entre outros). Na sua ausência, é recomendado que em caso da elaboração de plano de drenagem específico para área, esteja contemplado um diagnóstico do sistema atual de drenagem e um prognóstico, contendo as principais ações, impactos e riscos associados as intervenções a serem executadas pela Prefeitura Municipal. 

 

IV. Diagnóstico das áreas de risco a erosão e colapso do solo

 

Em face ao atual cenário de degradação da área, fica recomendado a realização de diagnóstico e mapeamento das áreas de risco a erosão e colapso do solo, de modo proceder também com a análise acerca da integridade das construções presentes no entorno da área. Isto posto, de maneira a compreender detalhadamente a dinâmica dos processos erosivos superficiais, das perdas ambientais e dos riscos de colapso de infraestruturas urbanas adjacentes (ex. ruas, residências, entre outros) resultante do agravamento dos ravinamentos desenvolvidos na área. É imprescindível que a gestão municipal conduza os trâmites/articulações para elaboração do diagnóstico com maior brevidade, considerando o período chuvoso de 2021 que se avizinha e a possibilidade de agravo do cenário erosivo local em caso de inação. Em parceria, é sugerido que os trabalhos possam ser conduzidos com a participação da Defesa Civil, devendo a Prefeitura de Paraipaba notificar nesse tempo a referida instituição. Isto, com efeito finalístico de tornar comum o conhecimento acerca da situação atual no Morro da Lagoinha, caso, ainda assim, não se tenha feito. 

 

V. Fitoestabilização do topo do Morro da Lagoinha e reativação do transporte eólico no entorno

 

Em conjunto as recomendações realizadas anteriormente, também salientamos orientação referente a elaboração de projeto de intervenção no topo do Morro da Lagoinha para colonização com espécies vegetais nativas (realização de monitoramento da dinâmica eólica; ensaios de efetividade da fitoestabilização; uso de geomantas combinadas com vegetação; entre outros). Tal intervenção pode adicionar camada de proteção ao solo evitando a sua erosão progressiva, assim como o carreamento em excesso do material sedimentar inconsolidado que ainda recobre o Morro da Lagoinha. Esta possibilidade de intervenção deve ser objeto de estudos específicos a serem contratados como um PRAD (Plano de Recuperação de Áreas Degradadas) que pode delinear ações baseadas em conhecimento a ser obtido. Além disso, espécies vegetais poderão agir como armadilha de sedimentos transportados pelo fluxo eólico, permitindo assim a recomposição de sedimentos, essa última a depender das condições transporte eólico a serem observadas no monitoramento. Além disso, é necessário contemplar no projeto ensaios que possam demonstrar a efetividade da fitoestabilização nas encostas de ravinas e voçorocas, contemplando assim uma alternativa sustentável para conter a evolução dos efeitos erosivos nesses trechos. É fortemente recomendado a realização de estudos específicos que analisem alternativas para reativação do transporte eólico dos sedimentos dunares em direção ao Morro da Lagoinha. Isto, considerando as possibilidades de desobstrução das barreiras rígidas que atualmente impedem o fluxo efetivo do transporte de sedimentos e a perspectiva do estabelecimento de corredores eólicos. 

Fortaleza, 8 de novembro de 2020

 

Diante do exposto cabe agora à Prefeitura Municipal de Paraipaba liderar os esforços para seguir as orientações dos cientistas e salvar o símbolo da Praia de Lagoinha. 

O Movimento S.O.S. Morro de Lagoinha - responsável pela mobilização social e pelas primeiras conquistas em defesa desse monumento natural - anuncia que está retomando as mobilizações a fim de pressionar o poder público para que se apresse e seja eficaz nas ações necessárias.

 

Da redação do Mensageiro News.