Tivemos acesso ao relatório da visita de três cientistas ao morro símbolo da praia de Lagoinha em Paraipaba-CE. A visita aconteceu no dia 11 de Setembro de 2020 e foi provocada pelo Movimento S.O.S. Morro de Lagoinha que solicitou à Secretaria de Meio Ambiente do Governo do Estado do Ceará providências para salvar o monumento natural.
O Mensageiro News apresenta com exclusividade o resultado dessa visita e as soluções propostas pelos cientistas:
PROGRAMA CIENTISTA-CHEFE MEIO AMBIENTE –FUNCAP/SEMA/SEMACE
RELATÓRIO DE VISITA DE CAMPO
MORRO DA LAGOINHA – MUNICÍPIO DE PARAÍPABA, CEARÁ
1. REQUERIMENTO E LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O presente relatório trata da análise preliminar da visita de campo realizada em trecho costeiro do município de Paraipaba no dia 11/09/2020, abrangendo especificamente o Morro da Lagoinha, situado na praia com denominação homóloga. A origem da demanda atende a solicitação da Prefeitura Municipal de Paraipaba e da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), dirigida à Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA).
Em vista o oportuno momento de implementação do Programa Cientista-Chefe em Meio Ambiente – FUNCAP/SEMA/SEMACE e o alinhamento com o projeto Planejamento Espacial Costeiro e Marinho, foi solicitado pelo Sr. Secretário do Meio Ambiente, Artur Bruno, a análise da demanda no âmbito do programa. A visita de campo contou com a participação do Prof. Dr. Marcelo de Oliveira Soares, Cientista-Chefe em Meio Ambiente, e pelos demais integrantes, Dr. Eduardo Lacerda Barros e Dr. Renan Gonçalves Pinheiro Guerra. Em face a abrangência da área de entorno e o contexto da Área de Proteção Ambiental da Lagoinha, (APA) da Lagoinha, a gestora da Unidade de Conservação (UC) Estadual, Ana Michelle, também participou da atividade de campo.
Localizado à 95 km a oeste de Fortaleza, o município de Paraipaba integra o Setor III – Costa Oeste do GERCO/CE (Figura 1), abrangendo aproximadamente 14 km de praia que se estende da foz do rio Curu até a barra formada pelas águas da Lagoa das Almécegas. A planície litorânea do município é caracterizada pela presença de faixas de praias, dunas e lagoas, podendo ocorrer de forma associada alinhamentos de rochas de praia, plataformas de abrasão e falésias.
A partir da análise de imagens de
satélite e averiguação de campo, nota-se o comprometimento do abastecimento
sedimentar proveniente das dunas móveis para o Morro da Lagoinha.
Em observação preliminar, aspectos inerentes a intervenções sobre áreas de
deflação eólica (ex. loteamentos) (Figura 2) e a fitoestabilização do solo
(natural ou induzida), contribuíram para estabilização das áreas de by pass e
consequente redução do suporte de sedimentos ao Morro da Lagoinha. Apesar
disso, estudos que analisem de maneira pormenorizada o transporte sedimentar
são fortemente recomendados, de modo a subsidiar melhor compreensão da dinâmica
eólica local.
Por sua vez, a redução da disponibilidade de sedimentos
aliada ao efeito erosivo do fluxo eólico e ausência da colonização de
vegetação, ensejou a exposição de material do Grupo Barreiras no topo do Morro
da Lagoinha, antes recobertos pelos sedimentos eólicos. Esse aspecto
proporcionou a ativação da erosão pluvial em níveis superiores que,
possivelmente, teve ainda ação intensificada pela concentração de fluxo
superficial de água e incremento do gradiente topográfico (Figura 3). Tais
fatos permitidos possivelmente pela urbanização de malha viária confinante e
obras de infraestrutura hídrica, realizadas a partir de 2016, conforme relatos
locais. Além disso, toma-se também como hipótese a ser investigada a ocorrência
de possível pontos de fuga de fluxo subterrâneo, proveniente de instalações operacionais
de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Em consequência, conforme
realidade avistada em campo, foram motivados a formação de sulcos de erosão e
ravinas que evoluem para a formação de voçorocas no Morro da Lagoinha. O material
areno-argiloso que compõe o tabuleiro litorâneo, quando exposto, pode ser
facilmente erodido mediante o fluxo de escoamento superficial na área. É
importante frisar que esse tipo de processo é conspícuo principalmente em
falésias ativas que, em conjunto com a erosão marinha, configuram um modelado
com aspecto ruiniforme.
A Figura 4 apresenta um mosaico
de imagens da área, expondo o Morro da Lagoinha na perspectiva da ponta
litorânea e da faixa praial associada a plataformas de abrasão marinha (A, B e C).
Em recorte da atual situação no topo do Morro da Lagoinha, está posto o retrato
da degradação provocada pelo avanço de processos erosivos superficiais, com a
presença de ravinas e extensa voçoroca (Figura 4 - D, E, F, G, H e I). Estas se
distribuem ao longo da borda superior do tabuleiro recortando
perpendicularmente e transversalmente o Morro da Lagoinha.
A principal fenda ocorre em
sequência a rua Estrela do Mar com dimensões de até 20 metros de largura
avançando, aproximadamente, 180 metros em direção ao mar (ver Figura 4 – F). Em
conformação com evolução dos processos erosivos, áreas de riscos de colapso de
infraestruturas (ex. residências e vias públicas) se configuram no
entroncamento com os arruamentos adjacentes (ver Figura 4 – D). Além disso, cabe
destaque a degradação de ponto turístico que corresponde a um dos principais
atrativos cênicos da região litorânea do município e da costa oeste do Ceará.
Nesse mote, é importante
atentar para a necessidade de definir medidas com caráter de urgência para
contenção do avanço dos processos erosivos em direção a malha urbana de
Lagoinha e mitigação dos riscos urbanos e ambientais associados. Para isso,
estão elencadas no tópico a seguir algumas orientações que não exaurem a
proposição de alternativas para abrandamento dos problemas ambientais elencados
na área do Morro de Lagoinha.
Findo esta análise preliminar, recordamos que a área em
apreço também apresenta caráter especial para proteção e recuperação
considerando que se trata de uma UC municipal de proteção integral e está
abrigada em Área de Preservação Permanente (APP) conforme art. 4, inciso VIII
do Código Florestal. A lei municipal nº 471, de 06 de março de 2009, criou o
Monumento Natural (MONA) Morro da Lagoinha com os objetivos de preservação do patrimônio
paisagístico, natural, turístico e histórico da área.
3. RECOMENDAÇÕES
As recomendações elencadas
seguem orientações em caráter abrangente que ensejam necessário esforço para
gestão e obtenção de conhecimento pormenorizado dos processos ambientais que
incidem na área vistoriada. Reforçamos que essas recomendações não exaurem a
proposição de alternativas para consecução da recuperação ambiental da área do
Morro de Lagoinha. Por sua vez, os desafios locais de gestão devem estar ancorados
na perspectiva científica e técnica que permitam direcionar a tomada de
decisão. A seguir, expomos algumas recomendações:
I.
Cadastramento do MONA Morro da Lagoinha e elaboração do Plano de Manejo
A Instrução Normativa nº
01/2017, estabelece que as UC inseridas em território cearense, devem estar
inequívoca e previamente cadastradas junto ao Cadastro Nacional de Unidades de
Conservação (CNUC) e Cadastro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). Tal
fato é necessário para acesso aos recursos da compensação ambiental provenientes do licenciamento ambiental no âmbito
dos órgãos ambientais licenciadores. Por conseguinte, a utilização de recursos
para gestão da UC pode subsidiar a elaboração do plano de manejo, que também
emerge como uma importante ferramenta para ordenamento dos usos da área e o
manejo sustentável dos recursos naturais, inclusive prevendo as medidas para
recuperação das áreas degradadas (ex. elaboração de Plano de Recuperação de
Áreas Degradadas - PRAD; Plano de Contingenciamento de Riscos Ambientais;
estudos geotécnicos; entre outros).
II.
Ordenamento do acesso de visitantes na área para minimização do pisoteio nesse
trecho do Morro da Lagoinha
No interstício
da elaboração do Plano de Manejo, é sugerido que ações de carácter preventivo e
protetivo possam ser adotadas pela gestão municipal. Tal aspecto pode
centrar-se no intuito de minimizar os efeitos do fluxo excessivo de visitantes.
Considerando que o ‘pisoteamento’ pode contribuir para eclosão de novas fendas
e evolução das que já existem derivadas da erosão hídrica superficial e
subterrânea instalada. Para isso, a gestão local pode buscar elaborar Plano de
Visitação Pública que deverá elucubrar medidas para gestão e restrição de
acesso, bem como análise da capacidade de carga. Nesse escopo, elencamos a
necessidade do estabelecimento de trilhas de uso prioritário; sinalização
educativa para visitação (ex. capacidade máxima das trilhas; atrativos;
riscos); utilização de infraestrutura suspensa para mitigar os efeitos do
pisoteamento; entre outros aspectos que direcionem o uso sustentável da área. É
válido destacar que a produção de documentos que possam nortear a gestão da
área emerge como importante instrumento para conservação de um dos principais
atrativos turísticos do trecho costeiro de Paraipaba. Além disso, reforçamos a
necessária intensificação de fiscalização ostensiva pelo órgão ambiental do
município em relação aos usos e intervenções realizadas não apenas na área, mas
também no seu entorno, as quais influenciam em processos-chave como a drenagem
de águas pluviais, subterrâneas e do fluxo sedimentar.
III.
Plano de drenagem e manejo das águas pluviais
Intervenções
estruturais podem ser necessárias, no entanto estudos técnicos prévios devem
ser motivados de modo a compreender a dinâmica do escoamento hídrico de
superfície e subsuperfície. Incide sobre as possíveis intervenções a
observância ao Plano Municipal de Saneamento Básico – Drenagem, assim como
outros instrumentos de planejamentos que possa existir no município (ex. Plano
Diretor Participativo do Município; o Código de Obras e Postura; a Política Ambiental
do Município; Zoneamentos Urbanos e Ambientais; entre outros). Na sua ausência,
é recomendado que em caso da elaboração de plano de drenagem específico para
área, esteja contemplado um diagnóstico do sistema atual de drenagem e um
prognóstico, contendo as principais ações, impactos e riscos associados as
intervenções a serem executadas pela Prefeitura Municipal.
IV.
Diagnóstico das áreas de risco a erosão e colapso do solo
Em face ao
atual cenário de degradação da área, fica recomendado a realização de
diagnóstico e mapeamento das áreas de risco a erosão e colapso do solo, de modo
proceder também com a análise acerca da integridade das construções presentes
no entorno da área. Isto posto, de maneira a compreender detalhadamente a
dinâmica dos processos erosivos superficiais, das perdas ambientais e dos
riscos de colapso de infraestruturas urbanas adjacentes (ex. ruas, residências,
entre outros) resultante do agravamento dos ravinamentos desenvolvidos na área.
É imprescindível que a gestão municipal conduza os trâmites/articulações para
elaboração do diagnóstico com maior brevidade, considerando o período chuvoso
de 2021 que se avizinha e a possibilidade de agravo do cenário erosivo local em
caso de inação. Em parceria, é sugerido que os trabalhos possam ser conduzidos
com a participação da Defesa Civil, devendo a Prefeitura de Paraipaba notificar
nesse tempo a referida instituição. Isto, com efeito finalístico de tornar
comum o conhecimento acerca da situação atual no Morro da Lagoinha, caso, ainda
assim, não se tenha feito.
V.
Fitoestabilização do topo do Morro da Lagoinha e reativação do transporte
eólico no entorno
Em conjunto as
recomendações realizadas anteriormente, também salientamos orientação referente
a elaboração de projeto de intervenção no topo do Morro da Lagoinha para
colonização com espécies vegetais nativas (realização de monitoramento da
dinâmica eólica; ensaios de efetividade da fitoestabilização; uso de geomantas
combinadas com vegetação; entre outros). Tal intervenção pode adicionar camada
de proteção ao solo evitando a sua erosão progressiva, assim como o carreamento
em excesso do material sedimentar inconsolidado que ainda recobre o Morro da
Lagoinha. Esta possibilidade de intervenção deve ser objeto de estudos
específicos a serem contratados como um PRAD (Plano de Recuperação de Áreas
Degradadas) que pode delinear ações baseadas em conhecimento a ser obtido. Além
disso, espécies vegetais poderão agir como armadilha de sedimentos
transportados pelo fluxo eólico, permitindo assim a recomposição de sedimentos,
essa última a depender das condições transporte eólico a serem observadas no
monitoramento. Além disso, é necessário contemplar no projeto ensaios que
possam demonstrar a efetividade da fitoestabilização nas encostas de ravinas e
voçorocas, contemplando assim uma alternativa sustentável para conter a
evolução dos efeitos erosivos nesses trechos. É fortemente recomendado a
realização de estudos específicos que analisem alternativas para reativação do
transporte eólico dos sedimentos dunares em direção ao Morro da Lagoinha. Isto,
considerando as possibilidades de desobstrução das barreiras rígidas que
atualmente impedem o fluxo efetivo do transporte de sedimentos e a perspectiva
do estabelecimento de corredores eólicos.
Fortaleza, 8 de novembro de 2020
Diante do exposto cabe agora à Prefeitura Municipal de Paraipaba liderar os esforços para seguir as orientações dos cientistas e salvar o símbolo da Praia de Lagoinha.
O Movimento S.O.S. Morro de Lagoinha - responsável pela mobilização social e pelas primeiras conquistas em defesa desse monumento natural - anuncia que está retomando as mobilizações a fim de pressionar o poder público para que se apresse e seja eficaz nas ações necessárias.
Da redação do Mensageiro News.