(Ilustração emprestada de Multiverso, livro de Leonardo Pratignani)
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As coxas grossas a poucos
centímetros das minhas mãos, de cima para baixo me “scaneava” a alma pelos
olhos, e sorria. A boca, portal vermelho para a felicidade. A voz, nem precisou
usar. Sua expressão era convite. Aceito! E tudo começou assim. Acordávamos juntos."Breakfast",
e seguíamos em par para os trabalhos cotidianos. Uma rotina agradável e nada
tediosa. Já se iam vinte mil anos assim.
Nossa casa de arquitetura antiga com bonitos jardins, na beira de um lago,
contava com todos os confortos e modernidades necessárias para situar-se entre
o bucólico e o funcional. Companheiros.
Uma cumplicidade impensada para os padrões daquela outra realidade de onde você
neste momento lê este escrito. Sim, as vidas se bifurcam em realidades muitas.
E estamos aqui.
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Fecho os olhos, esvazio a mente,
são três horas e vinte e dois minutos de uma madrugada Juliana do ano de 20035.
Os humanoides, de uma constelação qualquer, fazem festa no posto 30 do outro
lado da minha rua suspensa. Eu não gosto das suas robôs sexi que imitam as
antigas prostitutas humanas de rua. Eles têm armas, e naves compactas
sucateadas que estacionam umas sobre as outras. Bebem algum tipo de mistura que
junta álcool etílico e poeira de cometas. Eles são gordos, têm cheiro dos
combustíveis fósseis do passado, embora as suas naves sejam movidas à energia
estelar. Hoje é uma daquelas noites solares na antiga terra em que sinto falta
das minhas pílulas de vinho tinto e fumo maços de uma mistura semi-orgânica que
comprei de um viajante intergalático que falava um pouco de “terraquiam” (é
assim que eles chamam o nosso idioma naquele quadrante do universo). Sinto-me
tonto, irritado, com saudades de Edja e dos seus seios volumosos e macios.
Estou acordado há três ciclos cósmicos e ainda não encontrei nem um terço dos
produtos que preciso comprar. Pra piorar, o dinheiro “vanuziano” que ganhei nos
jogos noturnos da terra nova, está para acabar.
***
Uma e meia da manhã. Escrevo
frases desconexas e o meu pensamento se difunde em buscas ininterruptas de
soluções difíceis para problemas sérios demais. Sinto-me pouco. Mas, sei dos
meus dons. O século é o vigésimo primeiro da era cristã. Sim, eu estou no Ocidente. Vivendo em um país chamado Brasil. Neste universo, todos envelhecem
junto com o passar do tempo, os amores não dizem muito para uma sociedade monetizada demais. Por mais que eu busque, não
consigo me encontrar em nada por aqui. Parece que estou novamente deslocado no
espaço-tempo. Isto mesmo, nesta realidade tudo está limitado nestes dois
campos. Tenho sentido saudade de coisas que aparentemente eu nunca vivi.
Certamente são interseções deste com os outros universos onde existo. Aqui não
se dispõe de tecnologias e nenhum outro meio para realizar interações deste
tipo. Tudo aparece para mim como elementos psíquicos e são facilmente
confundidos com ilusões e ou delírios por qualquer cidadão deste tempo e lugar.
Mas, nem tudo é angústia, tenho vivido experiências interessantes e aprendido
bastante com esta dimensão tão limitada. O que há de mais estimulante são as
mulheres deste tempo- lugar.
DJ de S.